
Sinceramente, o novo CD de Paula Lima.
Sinceramente, o novo CD de Paula Lima.
Por Silvio Essinger |
14 de março 2007
Plantar para colher. É o que a paulistana da gema Paula Lima tem feito nos últimos anos de uma carreira das mais frutíferas. A garota que o curso de Direito roubou (mas só por um tempo) marcou a sua entrada no mundo da música com o grupo Unidade Bop (ex-Unidade Móvel), que navegava nas águas do acid jazz. Logo em seguida, ela fez backing vocals para Jorge Ben Jor (no disco 23, de 1993), cantou no grande sucesso da dupla de rap Thaíde e DJ Hum (Senhor Tempo Bom), integrou o grupo Zomba e por fim caiu no baile do Funk Como Le Gusta, coletivo de black music à brasileira, com o qual se destacou de cara com a releitura de Meu Guarda-Chuva (composição de Ben Jor quando era só Ben). No sapatinho, Paula chegou em 2001 ao seu primeiro disco solo, É Isso Aí. Dois anos depois, foi a vez de sair Paula Lima. Mas, para quem achava que conhecia essa voz, é hora de mudar de idéia – novamente, diga-se de passagem. Sinceramente, terceiro álbum de Paula Lima, agora pela Indie Records, é o que diz o título: a menina criada à base de Michael Jackson, Jorge Ben, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Beth Carvalho e Dona Ivone Lara hoje é uma mulher, cantora com muita milhagem de palco e estúdio, e está aí para dar o recado. O SEU recado, num disco em que participou ativamente, da seleção de repertório aos arranjos e produção. Com liberdade, experiência e... muita sinceridade. Agora me senti preparada para isso, diz Paula.
Libriana, perfeccionista, com a cabeça cheia de idéias e longas tranças, a musa soul Brasil do novo milênio (dona de uma das vozes mais capacitadas e reconhecíveis da música pop brasileira) resolveu, há cerca de dois anos, tomar para si as decisões do que seria o seu novo disco. Para percorrer esse caminho, escolheu como companheiro o violonista paulistano Walmir Borges, músico de sua banda, que vinha de uma larga experiência no mundo do samba. Ele trouxe a primeira novidade que Sinceramente oferece aos que acompanham a trajetória de Paula Lima: o patrimônio do samba carioca Arlindo Cruz, criado nas hostes do Cacique de Ramos e do Fundo de Quintal, que acabou entrando no disco com nada menos que três músicas. Para começar, tem Tirou Onda (parceria com Maurição), partido alto dos bons, que a cantora – aliás, preste atenção nos novos timbres que ela incorporou à voz – transforma num belo sambão-soul. Você nem se comoveu / e zombou da minha dor / meu amor enfraqueceu / se perdeu, acabou, canta Paula, sambista sem fronteiras, nessa bela sucessora de Meu Guarda-Chuva. Outra de Arlindo (também com Maurição) é Tudo Certo ou Tudo Errado, cama armada para Paula exalar sensualidade – é tudo uma questão de estilo (e quem conhece essa voz sabe bem). Por fim, Já Pedi Pra Você Parar (de Arlindo e Babi) evoca a gafieira, com toda a esperteza de quem é da raiz: já cansei de dar cartaz / já cansei de te dar colher / é que fila andou, rapaz / e o malandro ficou a pé.
E dá para acreditar que por pouco Sinceramente ficou sem uma música de Seu Jorge? Sim, porque Paula Lima foi uma das primeiras cantoras a bater pé pelo talento do compositor carioca – não custa lembrar que ela já gravou Tive Razão (bem antes do próprio), Mangueira, Quero Ver Você no Baile e Gafieira S.A.. Aos 40 minutos do segundo tempo do disco, sentindo falta de um balanço, ela se rendeu a Cuidar de Mim, parceria de Jorge com Gabriel Moura (seu ex-companheiro do grupo Farofa Carioca) e Rogê – uma suingueira romântica das boas. Já aos 45 minutos, foi a vez de entrar Let s Go (de Seu Jorge e Tatá Spalla), composição que, nas mãos de Paula, virou uma neobossa com veneno samba-rock. Acabei de me vestir para ver meu amor / praia de Guarapari, e ele aportou / descolado, arrasando na calçada / entre drinks e siris e o pôr-do-sol / foi aí que eu descobri o seu futebol, canta Paula, criando na mente do ouvinte um cenário refrescante de sol e mar em pleno verão.
Cultivar os seus compositores foi mesmo um dos grandes – e mais prazerosos – trabalhos de Paula Lima em Sinceramente. Por exemplo: foram nada menos que cinco meses de e-mails e telefonemas até que ela conseguisse a sua tão ansiada música de parceria entre Zélia Duncan e Mart nália. Novos Alvos (que ainda conta com a assinatura da sambista carioca Ana Costa) veio na forma de uma bossa soul, meio pop, meio abolerada, perfeita para o rádio. Os versos espelham as intenções de independência da cantora: cansei de olhar espelhos de agora / vou mirar novos alvos, me solta. Outra poderosa mulher do pop-MPB que empresta sua pena é Ana Carolina. Ela respondeu à encomenda com Eu Já Notei, uma parceria com Totonho Villeroy, ao qual Paula deu um toque de R&B anos 80 e transformou num balanção black. A letra, mais uma vez, reforça o espírito afirmativo do disco: sou de decidir, sou de me guiar / sou guerreira, não se espante / faço meu caminho sem desviar / ou me queira ou se mande. Já de Totonho solo, veio a faixa mais assumidamente pop de Sinceramente, Quero Pegar. Puxada pela levada de violão, é uma daquelas músicas que poderiam estar num disco do Swing Out Sister – isso, se eles fizessem mais discos com sabor brasileiro.
Tá de bom tamanho? Não? Então, tá: a boa nova é que os vasculhadores de plantão ainda têm bastante com o que se fartar no novo disco de Paula Lima. O funkão Negras Perucas, de Marcus Vinicius (cantor revelado pelo programa de TV Fama) e Nilo Pinheiro abusa das rimas fortes para falar de negritude e esperança. O samba Como Diz o Ditado, de Edu Tedeschi (compositor cultivado por Maria Rita) pinta o cenário de um baile moderno, com órgão Hammond, baixo acústico e um quê de drum n bass, renovando a mensagem de Paula, que vale para o amor e a vida em geral: se ele riu primeiro, não sabe da pior / quem ri por último ri melhor. Já Flor de Maracujá, de João Donato e o irmão Lysias Ênio, foi resgatada de Cantar, disco que Gal Costa gravou com Donato em 1974. O original, de tintas roqueiras, transmutou-se num samba com cavaco, baixo acústico, scratch e Hammond, respeitoso no entanto às ricas harmonias do compositor.
Mas a grande surpresa ficou para o final: uma inédita de Leci Brandão: Saudações, em parceria com Paulo Henrique Ambrósio. Acústica, quase camerística, a faixa é um chamado à consciência da raça, quase como uma oração, com versos como quero saudar e vou tocar o meu tambor de toda cor / pra registrar que o povo faz transformações, que Leci escreveu de primeira, cinco minutos após um telefonema de Paula. E que a cantora registrou para Sinceramente em um take só, às três da manhã. Perfeita para fechar esse disco, uma festa de balanço e brasilidade que ainda contou com as boas idéias do produtor Luís Paulo Serafim e teve sua masterização feita na Sterling Sound, em Nova York, por Chris Gehringer, que já finalizou álbuns de Erykah Badu, Nelly Furtado, Já Rule e Christina Aguilera. Tudo para dar a embalagem mais luxuosa a um trabalho que a cantora dividiu com os seus músicos e seus compositores do coração. Esse disco tem todo mundo de quem eu gostaria de estar próximo! Amém, Paula!
Sinceramente
por Paula Lima
O repertório, que escolhi a dedo, reflete o meu estado de espírito de dois anos pra cá. Talvez por uma luz divina, esses compositores conseguiram expressar nestas letras tudo o que penso e que estou sentindo. Você ouve o disco do começo ao fim e vê a mesma pessoa: Paula Lima. Já a sonoridade – esse é o meu primeiro trabalho em que eu não ponho só o dedo, mas a mão toda – mostra tudo o que ouvi e ouço desde pequena, e que me fez ser hoje Paula.
O samba é a minha essência – muito antes do soul e do funk que, urbana que sou, me influenciaram e ajudam a apimentar minha música. Por isso, fiz questão de colocar os vários instrumentos tradicionais no disco, seja da forma mais pura ou até com efeitos novos. Dessa forma, busquei originalidade e fiz, do meu jeito, o meu samba.
Sou aquela menina negra que cresceu querendo transformar o mundo e acreditando nele. E esse disco mostra exatamente e sinceramente quem eu sou.
É isso aí!
Libriana, perfeccionista, com a cabeça cheia de idéias e longas tranças, a musa soul Brasil do novo milênio (dona de uma das vozes mais capacitadas e reconhecíveis da música pop brasileira) resolveu, há cerca de dois anos, tomar para si as decisões do que seria o seu novo disco. Para percorrer esse caminho, escolheu como companheiro o violonista paulistano Walmir Borges, músico de sua banda, que vinha de uma larga experiência no mundo do samba. Ele trouxe a primeira novidade que Sinceramente oferece aos que acompanham a trajetória de Paula Lima: o patrimônio do samba carioca Arlindo Cruz, criado nas hostes do Cacique de Ramos e do Fundo de Quintal, que acabou entrando no disco com nada menos que três músicas. Para começar, tem Tirou Onda (parceria com Maurição), partido alto dos bons, que a cantora – aliás, preste atenção nos novos timbres que ela incorporou à voz – transforma num belo sambão-soul. Você nem se comoveu / e zombou da minha dor / meu amor enfraqueceu / se perdeu, acabou, canta Paula, sambista sem fronteiras, nessa bela sucessora de Meu Guarda-Chuva. Outra de Arlindo (também com Maurição) é Tudo Certo ou Tudo Errado, cama armada para Paula exalar sensualidade – é tudo uma questão de estilo (e quem conhece essa voz sabe bem). Por fim, Já Pedi Pra Você Parar (de Arlindo e Babi) evoca a gafieira, com toda a esperteza de quem é da raiz: já cansei de dar cartaz / já cansei de te dar colher / é que fila andou, rapaz / e o malandro ficou a pé.
E dá para acreditar que por pouco Sinceramente ficou sem uma música de Seu Jorge? Sim, porque Paula Lima foi uma das primeiras cantoras a bater pé pelo talento do compositor carioca – não custa lembrar que ela já gravou Tive Razão (bem antes do próprio), Mangueira, Quero Ver Você no Baile e Gafieira S.A.. Aos 40 minutos do segundo tempo do disco, sentindo falta de um balanço, ela se rendeu a Cuidar de Mim, parceria de Jorge com Gabriel Moura (seu ex-companheiro do grupo Farofa Carioca) e Rogê – uma suingueira romântica das boas. Já aos 45 minutos, foi a vez de entrar Let s Go (de Seu Jorge e Tatá Spalla), composição que, nas mãos de Paula, virou uma neobossa com veneno samba-rock. Acabei de me vestir para ver meu amor / praia de Guarapari, e ele aportou / descolado, arrasando na calçada / entre drinks e siris e o pôr-do-sol / foi aí que eu descobri o seu futebol, canta Paula, criando na mente do ouvinte um cenário refrescante de sol e mar em pleno verão.
Cultivar os seus compositores foi mesmo um dos grandes – e mais prazerosos – trabalhos de Paula Lima em Sinceramente. Por exemplo: foram nada menos que cinco meses de e-mails e telefonemas até que ela conseguisse a sua tão ansiada música de parceria entre Zélia Duncan e Mart nália. Novos Alvos (que ainda conta com a assinatura da sambista carioca Ana Costa) veio na forma de uma bossa soul, meio pop, meio abolerada, perfeita para o rádio. Os versos espelham as intenções de independência da cantora: cansei de olhar espelhos de agora / vou mirar novos alvos, me solta. Outra poderosa mulher do pop-MPB que empresta sua pena é Ana Carolina. Ela respondeu à encomenda com Eu Já Notei, uma parceria com Totonho Villeroy, ao qual Paula deu um toque de R&B anos 80 e transformou num balanção black. A letra, mais uma vez, reforça o espírito afirmativo do disco: sou de decidir, sou de me guiar / sou guerreira, não se espante / faço meu caminho sem desviar / ou me queira ou se mande. Já de Totonho solo, veio a faixa mais assumidamente pop de Sinceramente, Quero Pegar. Puxada pela levada de violão, é uma daquelas músicas que poderiam estar num disco do Swing Out Sister – isso, se eles fizessem mais discos com sabor brasileiro.
Tá de bom tamanho? Não? Então, tá: a boa nova é que os vasculhadores de plantão ainda têm bastante com o que se fartar no novo disco de Paula Lima. O funkão Negras Perucas, de Marcus Vinicius (cantor revelado pelo programa de TV Fama) e Nilo Pinheiro abusa das rimas fortes para falar de negritude e esperança. O samba Como Diz o Ditado, de Edu Tedeschi (compositor cultivado por Maria Rita) pinta o cenário de um baile moderno, com órgão Hammond, baixo acústico e um quê de drum n bass, renovando a mensagem de Paula, que vale para o amor e a vida em geral: se ele riu primeiro, não sabe da pior / quem ri por último ri melhor. Já Flor de Maracujá, de João Donato e o irmão Lysias Ênio, foi resgatada de Cantar, disco que Gal Costa gravou com Donato em 1974. O original, de tintas roqueiras, transmutou-se num samba com cavaco, baixo acústico, scratch e Hammond, respeitoso no entanto às ricas harmonias do compositor.
Mas a grande surpresa ficou para o final: uma inédita de Leci Brandão: Saudações, em parceria com Paulo Henrique Ambrósio. Acústica, quase camerística, a faixa é um chamado à consciência da raça, quase como uma oração, com versos como quero saudar e vou tocar o meu tambor de toda cor / pra registrar que o povo faz transformações, que Leci escreveu de primeira, cinco minutos após um telefonema de Paula. E que a cantora registrou para Sinceramente em um take só, às três da manhã. Perfeita para fechar esse disco, uma festa de balanço e brasilidade que ainda contou com as boas idéias do produtor Luís Paulo Serafim e teve sua masterização feita na Sterling Sound, em Nova York, por Chris Gehringer, que já finalizou álbuns de Erykah Badu, Nelly Furtado, Já Rule e Christina Aguilera. Tudo para dar a embalagem mais luxuosa a um trabalho que a cantora dividiu com os seus músicos e seus compositores do coração. Esse disco tem todo mundo de quem eu gostaria de estar próximo! Amém, Paula!
Sinceramente
por Paula Lima
O repertório, que escolhi a dedo, reflete o meu estado de espírito de dois anos pra cá. Talvez por uma luz divina, esses compositores conseguiram expressar nestas letras tudo o que penso e que estou sentindo. Você ouve o disco do começo ao fim e vê a mesma pessoa: Paula Lima. Já a sonoridade – esse é o meu primeiro trabalho em que eu não ponho só o dedo, mas a mão toda – mostra tudo o que ouvi e ouço desde pequena, e que me fez ser hoje Paula.
O samba é a minha essência – muito antes do soul e do funk que, urbana que sou, me influenciaram e ajudam a apimentar minha música. Por isso, fiz questão de colocar os vários instrumentos tradicionais no disco, seja da forma mais pura ou até com efeitos novos. Dessa forma, busquei originalidade e fiz, do meu jeito, o meu samba.
Sou aquela menina negra que cresceu querendo transformar o mundo e acreditando nele. E esse disco mostra exatamente e sinceramente quem eu sou.
É isso aí!











